segunda-feira, 23 de maio de 2016

Direitos Humanos para quem? (Dizeres sobre a SNPD e a pasta dos Direitos Humanos)






Quando Kant escreveu sobre a dignidade humana, o fez com a moral que é atribuída por ele mesmo, ou seja, pela moral protestante. Alguns vão se espernear por ainda acharem que a filosofia transforma as pessoas céticas ao ponto de serem ateias – no sentido de não acreditarem em alguma divindade – mas o fato dele (Kant) de fato ter atribuído a isso a moral cristã protestante, não vai invalidar seu trabalho. O que acontece é que existem sutis diferenças entre os protestantes brasileiros e os protestantes de fora que fizeram da religião algo confuso – embora goste do Pr Caio Fabio em muitas coisas que diz, não concordo que os evangélicos são a parte do protestantismo que todos nós sabemos, que esse termo foi cunhado graças a bíblia de baixo do braço e a pregação do evangelho – pois, lá fora se segue muito a doutrina luterana e a calvinista e sua moral profunda e Kant, por ir todo domingo de manhã a igreja, herdou essa moral protestante.

A grosso modo podemos dizer que a dignidade humana só pode acontecer quando ela não é atribuída de valor (valor monetário mesmo), pois, se você é pago para matar uma pessoa ou matou para pegar algo que não é seu, privou o outro a vida e moralmente, você violou a primeira dignidade que a pessoa pode ter em direito: a vida. Os protestantes acham que devemos seguir o ESTADO porque estamos sujeitos as regras sociais atribuída a ele, ou seja, as regras sociais são para serem seguidas e se existe o ESTADO é porque Deus determinou que ocorresse. Crenças a parte, Kant colocou a questão moral numa forma universalizada ao ponto de repensarmos certos aspectos dentro de vários assuntos, que na época não eram pensados e que hoje são graças a essa parte da filosofia. Isso ganhou muito mais força quando acabou a segunda grande guerra – que se fomos calcular entre a primeira e a segunda foram apenas uns 21 anos – onde o nazismo matou milhões de pessoas por um ideal que era fruto de uma grande distorção do darwinismo chamado de darwinismo social. Graças a essa crença, muitos deficientes mentais e deficientes físicos sofreram eugenia ou esterilização, por causa que se acreditava que eram deficiências que passavam de pais para filhos. Algumas deficiências realmente têm traços genéticos de genes retrativos, ou seja, esses genes sofreram modificações do passado remoto ou não (ainda nossa tecnologia não é avançada o bastante para isso) que por razões de combinações vão ativar a deficiência. Mas isso não quer dizer que duas pessoas podem ter filhos com a mesma deficiência, pois, a ciência trabalha com probabilidade e não com certezas absolutas, portanto, acabam sendo só apenas crenças.

Sendo assim, somos os únicos animais que temos uma moral no sentido muito restrito dentro do termo, pois, é relativo aos costumes que estamos inseridos dentro dos valores que recebemos dentro desses valores. Mas para Kant a moral passa por dois ramos a crenças e os desejos que levam a ação, ou seja, se uma dessas duas sentenças estão acima do que a razão manda, então, estamos nos opondo ao que chamamos de racionalidade onde a moral passa. Voltamos ao exemplo do matar, se matamos para roubar moralmente estamos tirando uma vida por um objeto que não é nosso (que Kant ira dizer que são maus fins e que até a felicidade, muitas vezes, também usa disso), e segundo a lei moral, deve ser punido com rigor segundo a regra estabelecida. Mas qual regra deveríamos seguir para uma pessoa que matou por um objeto? Vários argumentos podem ser usados como: se matei uma pessoa por um tênis, por exemplo, é que puseram em minha cabeça que aquele tênis trará para mim a felicidade. Mas privei de uma pessoa inocente do direito de ter sua vida, conquistar seus sonhos, ter uma vida tranquila e uma família (quando não tem filho e está indo ou voltando do trabalho), porque acreditei que aquilo era o objeto que traria minha felicidade, um publicitário ficaria feliz por esse poder, mas não é tão simples assim. Isso queiram ou não, tem a ver com valores aprendidos dentro dos traços onde vive, a educação que se formou (mesmo que não teve nenhuma, como ter um pai bêbado e uma mãe ausente), e até mesmo, tem um traço objetivo da cultura inserida na sua própria moral. Assim podemos perguntar: se a justiça deve ser igual para todos, por que um nazista deve ser punido com o enforcamento e um serial killer, não? A total psicopatia é a mesma, só mudou o modo de executar o tal extermínio. O mesmo poderíamos dizer que é um político corromper SUS, pois, ele estará matando no mesmo modo que os nazistas ou um serial killer, que muitas vezes, a corrupção pode ser psicopatia.

A grosso modo, podemos afirmar que ser um humano não basta ser um ser racional, pois, em várias raças de primatas existem traços rudimentares de racionalidade pelo instinto, mas só a raça humana tem a consciência. Consciência é o que nos difere do chipanzé, pois, o chipanzé tem apenas uma noção daquilo que quer pegar pelo instinto e o ser humano percebe a importância do objeto e percebe a sua vontade de pegar ou não aquele objeto. A consciência é o fenômeno de se alcançar certos objetos e objetivos analisando seus fins por nós mesmos, ou seja, a partir de nós a realidade além da nossa própria realidade. A moral tem um papel muito importante dentro da consciência e deve ser analisada como tal, dentro da crença (todo ser humano tem uma) e todo desejo que tenhamos. Não há razão nenhuma de acreditarmos que a moral é um instrumento para a avaliação, mas um meio para medir uma ação enquanto ação por ela mesma. O que mata não é a vontade da arma segundo sua moral, mas quem a usa que tem a moral (razão + crença + desejo=ação) e os valores que usa para cometer a ação em si mesma.

Definirmos o que é consciência e passamos a ver que animais tem certa consciência, mas não tem razão. A nível de exemplo, podemos pegar um chipanzé – que é primo biológico do homem – se ele come uma banana é porque os nutrientes da banana fazem ele ter energia para reproduzir, correr e fazer tudo que ele faz, há uma necessidade. O ser humano não, ele sempre vai achar um motivo para querer a banana, porque ele tem o desejo de que aquilo lhe trará prazer (como algo que gosta), acredita que aquilo é gostoso (no sentido de já ter experimentado ou alguém experimentar) e a razão de comer a banana (que é a mesma do chipanzé, mas nós sabemos o que trará a banana). Se alguém acha que aquilo trará prazer e felicidade, como um tênis, vai querer um tênis e vai fazer de tudo para ter esse tênis. Existem o caminho de fazer o bem e o justo (assim acreditava Kant), que trabalhando e vendendo o fruto do seu trabalho você terá quantos tênis você quiser, mas existe outro caminho que é o caminho mau, o caminho de roubar de alguém o tênis e até matando o outro. Se pode também vender entorpecentes ilícitos (drogas), que é uma forma de matar o outro passivamente, entre outras maneiras, até se prostituir (que é uma forma de dar um valor a si mesmo vendendo o seu corpo em troca de um bem, que no caso, o dinheiro) que é uma forma de violência. Mesmo eu sendo um libertário (que tanto chamam de anarcocapitalista), existe regras claras dentro da sociedade que devem ser mantidas (que mesmo em um regime anarquista, devem ser seguidas para a harmonia social).

Primeiramente, existem normas sociais que definem a moral muito mais do que regras do senso comum, como não matar. Já na Mesopotâmia, que começa o ESTADO em si mesmo, já havia um código que os cidadãos deveriam seguir conforme foram escritos que hoje são chamados de Código de Hamurabi (referente ao 18º rei) que está no museu do Louvre. Talvez, muito provável que sim, Moises estudou esses códigos e se não estudou, os códigos de leis do Egito eram inspirados nesse condigo mesopotâmio (que para mim, não exclui de forma nenhuma o lado espiritual desses códigos que são reflexo da evolução moral de cada etnia). O que acontece é que todo código de lei dentro de uma comunidade é um código para manter a paz e a harmonia – assim dizem as pessoas e os teóricos – para melhor viver e conviver um ao outro. Quando nós, seres humanos, estávamos nas cavernas, matávamos bebes para manter os clãs e não ter muitos indivíduos (por causa das condições e a comida escassa). Já na Grécia antiga ou no império de Roma, se matava só os bebes imperfeitos, fracos e de pouca serventia para a comunidade. Já em Roma era uma escolha como direito “pather”, nas polis gregas, isso dependia muito das leis de cada cidade-estado. A título de exemplo, na cidade-estado de Esparta as crianças eram jogadas em um abismo se fosse deficiente, fraca ou com qualquer outro defeito físico, por motivos militares. Dentro da doutrina judaico-cristã mais precisamente em Levítico 21; 18-21:  “Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos, ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado. Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus. ”, que mostra que nenhuma dessas pessoas não poderá nem ser sacerdote, nem prestar as devidas prestações de contas “espirituais” a Deus. Ora, para esses povos (talvez, para dar um refúgio moral que não havia na pré-história humana), a deficiência era um castigo divino e em algumas comunidades, hindus, indígenas, entre outras, eram tidos como pressagio ruim.

Para provar que essa visão não mudou muito, só voltarmos no tempo dos nazistas e analisar o que faziam com as pessoas com deficiência. A eugenia norte-americana que era uma distorção das teorias darwinistas, as muitas pessoas com deficiência que não podem nem mesmo serem padres, não podem adorar a Deus por sermos impuros. Qual política inclusiva deu certo dentro da humanidade até hoje? Até hoje não houve avanços dentro da educação, dentro da reabilitação e saúde, dentro do transporte, dentro da acessibilidade e tinha a secretaria das pessoas com deficiência que deveriam cuidar desses assuntos. Porque a inclusão, seja lá o motivo que for, é motivada por razões morais e não clinicas e essas razões morais fazem de nós seres mais ou menos, seres em evolução. Qual a razão de se inclui? Razão de sermos seres humanos. O que acreditamos que seria a inclusão? Acreditamos que a inclusão é um meio de reconhecimento dessa humanidade que está em nós. Qual o desejo de se incluir dentro de uma sociedade? O desejo de sermos vistos como seres humanos, membros sociais, membros de um seguimento que nunca foi reconhecido como tal. Isso se chama consciência e essa consciência nos fazem seres humanos.

Ser um humano é reconhecer no outro um membro social, reconhecer no outro um ser da nossa própria espécie. Isso se chama ser consciente e ser consciente é estar dentro do ambiente social e fazer desse ambiente social uma maneira de convivência única, justa, que faça do ser humano um ser que se importa com o outro. Um macaco não se coloca no lugar do outro, mesmo que ele seja solidário em alguns momentos, mas só o ser humano pode sentir o que o outro sente, a dor da perca de um ente querido. Sem dúvida que há sentimentos entre os animais, mas o ser humano tem a consciência do afeto que está sentido pelo outro. Então, podemos afirmar que o ser humano diferencia de todos os animais em matéria do outro, mas é o único que pode fazer atrocidades tendo consciência dessas atrocidades. Mesmo dentro da psicopatia, ramo muito interessante para entender vários aspectos do ser humano ilógico e tem a ver até na corrupção, há uma consciência dentro do seu ato e sabe muito bem o que vai e o que está ou que estará fazendo. Kant acreditava, como os iluministas, que a razão era o “divisor das aguas” entre a minoridade que fariam diferença da maneira que fazemos essas escolhas, e também, herdou o pensamento de Rousseau que o ser humano é influenciado pelo meio onde vive e que a natureza o homem era bom. Em parte, tudo isso é verdade, a razão nos faz seres que temos um diferencial, mas não é pela razão somente que nos faz seres humanos. A razão nos faz seres que escolhemos o que achamos ser certo, porque ela nos faz analisar aquilo é ou não é justo e vai ou não afetar o outro.

Não que o meio possa não influenciar a razão humana e não que a razão possa melhorar o ser humano, mas existem coisas muito além da razão e a sociedade humana. Tribos indígenas também faziam guerras, pesquisas arqueológicas dizem que o ser humano tinha conflitos antes mesmo de se inventar as cidades (sociedades rurais). Pode-se provar que a visão de bondade e maldade depende muito da visão subjetiva de cada um (que podemos chamar de moral), pois, em Esparta, por exemplo, matar uma criança deficiente era a coisa certa a se fazer e hoje, se alguém ou algum governo fizer isso, será condenado por atrocidade. Por isso, quando um nazista foi levado a julgamento, não foi por causa de uma simples retaliação de ter matado pessoas inocentes, eles mataram milhões de seres humanos numa guerra e inocentes também. Eles mataram o que era ter o direito de ser um humano e viver nas condições que esse ser humano poderia viver, seja lá o que acredita e as condições físicas que nasceram, ou as condições que escolheram, é um direito básico. Como eles próprios que escolheram seguir Hitler e seu partido, escolheram seguir seus ideais e nada tem a ver com influência, tem a ver com escolhas e o próprio Sartre disse que somos condenados a sermos livres por essas escolhas. Um menino que escolhe roubar não é influenciado e sim, faz uma escolha dentro daquilo que te faz pensar o que é a felicidade, que o ESTADO diz que ele é livre para acreditar nisso. Mas ele pegou algo que o outro que trabalhou comprou, ele pegou do outro algo que não lhe pertence, uma propriedade que não é a sua propriedade e sim, do outro. Pode ser um narcotraficante, pode ser um assassino, pode ser um ladrão, ele não quer conviver em uma sociedade, ele quer subir pelo modo mais fácil, um modo mais preguiçoso. Mas não tem paz nenhuma, sempre acha que está sendo perseguido por aquilo que fez, não pensou antes de fazer, não teve a consciência porque estava querendo fazer o que achava ser certo, mas não era. No anarquismo, que os libertários também defendem, existe o PNA (Pacto de Não Violência) que é um pacto social que mantem ordem e harmonia dentro de uma sociedade sem a coerção pela violência. Se um sujeito matou, isola ele na sociedade, expulsa ele do convívio social por ele ter privado do direito natural da vida.

Se alguém violou um outro ser humano, atentou contra seu corpo, no anarquismo e os libertários, o corpo é uma propriedade privada que tem a ver com as regras que determinam a minha escolha. Mesmo que for permitido que o sujeito cometa o suicídio, não há razão nenhuma para cometer isso porque não há razão para se sentir preso em um problema, não existira motivos maiores. Não existe contas a pagar, não existe regras a seguir, não existe nada que possamos chamar de motivos maiores. Só a título de exemplo, uma pessoa com deficiência dentro de um anarquismo ou libertarianismo, poderia abrir seu negócio e ganhar a vida como outro qualquer; receber ajuda voluntaria, receber transporte voluntário, pagar por isso como outra pessoa qualquer. Por que? Porque não haverá restrição do ESTADO diante da vontade humana, porque o ESTADO exclui e ao mesmo tempo, cria pastas (entenda-se secretarias) para incluir o que ele mesmo exclui diante do discurso de igualdade e desigualdade. São meras artimanhas políticas para dizer que estão fazendo, que estão tendo alguma política pública para nós, pessoas com deficiência. Daí a minha pergunta (que muitos chamaram de retorica) que postei no meu Facebook dias atrás: qual secretaria funciona mesmo? Qual secretaria que cuida dos direitos das pessoas com deficiência funcionam? Nenhuma secretaria. Não estou falando de ideologias (entenda-se direita e esquerda), estou falando em poder de tomar a decisão certa e tomar medidas cabíveis contra aquilo que está denunciando. Na sua essência, o direito em ser um humano é natural, um direito básico, mas que não pode ser confundido com o direito de violentar o outro, excluir o outro e quebrar regras sociais. Assim, mesmo que o ESTADO e todo o seu cerne te convença que aquele tênis é o suprassumo da felicidade e que se você não tiver não será feliz, a escolha é sua como vai conseguir esse tênis. Ou violando um ser e roubando, ou simplesmente, no modo certo no seu direito de conseguir no modo sem violência. Toda a violência é errada, seja ela qual for.

O mesmo é com as pessoas com deficiência, não há razão de incluir porque somos, na essência, incluídos socialmente. O discurso está errado, não é incluir as pessoas deficientes dentro da sociedade, mas ter campanhas para as próprias pessoas com deficiência mostrar que podem ser consideradas seres humanos, que existem apenas limitações. Para isso não precisamos de secretarias, precisamos de ações e regras que sejam pela vontade, convencimento e muita sabedoria. Talvez, Kant concordaria comigo.


Amauri Nolasco Sanches Jr, 40, escritor e filósofo. 

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