Vou explicar uma certa confusão que se deu no meu artigo do“Caso ATENDE” que algumas pessoas ainda não entenderam ou entenderam que eu
estive apenas criticando algumas amigas que lutam na área da sexualidade. Seria
muito incoerente da minha parte um libertário ser contra que as pessoas agirem
e acharem o que é melhor, mesmo que esse “melhor” não seja o que a maioria da
sociedade vê como importante. A questão é que se temos que lutar pela inclusão
das pessoas com deficiência e nessa luta tem que haver uma certa ordem
prioritária, porque quando você lê um livro não podemos começar do segundo
capitulo, sem ao menos, começar na introdução e no primeiro capítulo. É
importante? Talvez para certas pessoas que não se encontraram ainda no mundo,
mas que não deveria ser uma grande luta, porque como disse no outro artigo, é
muito do fórum pessoal e não concordo que as pessoas devam se preocupar com
isso.
Outro ponto que disseram é que eu confundi e misturei as
coisas, mas acho que as pessoas não me entenderam na questão. O que é melhor
fazer primeiramente? Como eu sou técnico de informática (em alguma coisa me
serve esses cursos), vou colocar em formas algorítmicas: podemos começar de
forma da vida, temos hoje o direito de ter uma vida e usufruir da vida que é
nos dada como um direito. Se isso é verdade ou não, se temos mesmo direito a
essa vida ou não, ficaria numa outra discussão que não cabe aqui, porém, alguns
anos atrás não estaria aqui escrevendo esse texto e sim, internado em uma das
várias entidades que existiam em muitas décadas atrás. Mas com o advento do
social-nacionalismo alemão (vulgo nazismo), se repensou a questão individual
que poderíamos ser respeitados como seres humanos. Então, somos seres humanos e
se somos seres humanos, a priori (independente
da experiência), somos inclusos dentro da sociedade e somos vistos (pelo menos,
na teoria) como homens e mulheres que institivamente, tem e sentem sua
sexualidade. Por isso acho desnecessário, essa coisa das pessoas com
deficiência irem em busca, quase de forma sistemática, da sexualidade perdida,
porque a sexualidade está em você mesmo. E não só a sexualidade, porque não
somos um bando de primatas querendo copular um com o outro, porque não temos só
o instinto e sim, uma consciência que nos remete a uma certa prioridade entre o
certo e o errado. A moral não é você ser “recatado e do lar” (que é um direito,
também, de cada um), mas vai dizer se o homem pode ou não tocar em uma mulher
ou vice-versa, ou se aquilo vai depender de uma certa conduta ética de respeito
com o outro no sentido da vontade do outro. No mesmo modo que acho que ninguém
deve ser “recatada e do lar” numa forma engessada, os outros também não tem
obrigação de ser “devasso e da rua” como forma de quebrar tabu, pois, certos
tabus são necessários para nos defender de certos indivíduos que devem ter
“problemas”.
Depois de sermos respeitados como seres humanos e podemos
viver, temos que ter um tratamento para melhorar nossa qualidade de vida. Quem
nasceu com certa deficiência, vai ter esse tratamento (se a fila das entidades
andar), dês de muito novinho para reverter no máximo as sequelas dessa
deficiência. No caso de quem ficou paraplégico ou tetraplégico, ou alguma outra
doença como o ELA, existe o tratamento que não deixa a pessoa piorar aquilo que
já está ruim. Temos esse tipo de tratamento dentro das instituições públicas ou
privadas? Não. Se for público, já está “falido” e ainda, existem erros e filas
intermináveis que segundo constam, não podem ser agilizadas por causa da
burocracia estatal que o próprio governo faz para fazemos desistir. Fora que é
lei o ESTADO comprar aparelhos para pessoas com deficiência e essa lei não
funciona, não temos nem o direito de ter uma cadeira de rodas decente. Mas para
chegar a esse tratamento precisamos de quê mesmo? Transporte para o responsável
ter como levar a pessoa com deficiência para o tratamento, daí a importância de
fiscalizarmos o transporte acessível no país inteiro, pois além do tratamento
de reabilitação (no qual não concordo com o termo), ainda nos levam no lazer,
na escola (educação) e no trabalho (lei de cotas). Temos transporte acessível
de qualidade? Não temos no sentido de ter um treinamento adequado dos
condutores ou que o transporte em si mesmo tem um certo tratamento especial,
temos nas coxas e ainda acham, que estão fazendo um favor.
Se somos seres humanos que temos a capacidade da vida,
percebemos o mundo e temos o direito à vida, a ter um tratamento de habilitação
e no caso dos paraplégicos, de reabilitação, transporte para ir nesse
tratamento, por que isso não é feito? Por que ainda insistem em não priorizar
primeiro a temos uma vida, liberdade para viver e desfrutar da humanidade que
temos, amenizar nossa incapacidade motora ou de outros módulos com um
tratamento digno e um transporte para isso? Poderemos transar sem uma vida para desfrutar,
sem um tratamento para amenizar nossa deficiência ou transporte para ir até o
local? Zumbi, torto e preso não vai transar mesmo. Mas tem mais ainda, pois, o
ESTADO que vocês tanto amam (se pudessem ficariam transando com ele a vida
inteira), não cumprem as próprias leis que constroem e que colocam como
pseudo-prioridades dentro da sua agenda (que sabemos não ser verdade).
A verdade é que não só o serviço público de habilitação e
reabilitação é mais ou menos, fraco e não tem um suporte muito rigoroso. Só a
título de exemplo, se pegarmos uma AACD da vida e fazer uma crítica no sentido
de análise profunda, vamos constatar que mesmo todo o nome que essa entidade
tem e foi construído nesses, mais ou menos, sessenta anos, não fazem jus ao
tratamento que dizem fazer. Na verdade, não fazem nem 10% daquilo que mostram
no programa que comove todos vocês (a mim nem um olhar triste arrancam). Primeiramente,
te olham na cara e dizem que você não vai andar (não que isso não seja verdade,
mas pelo que são pagos para isso e a incompetência descomunal que temos que
aguentar, deveriam nos carregar no colo), depois de nos abrir todinho, depois
dão uma educação mais ou menos, uma fisioterapia mais ou menos, nos colocam
para trabalhar para receber em dois e em dois meses (isso tudo com nossos pais
pagando), operam nossas vistas e elas voltam como eram, nem detectam uma
escoliose fácil de se ver a olho nu. Compram e entregam cadeiras de rodas de má
qualidade ou nem entregam (com o dinheiro do SUS), não tem Raio X, não tem
ginecologista (sendo ter urologista), não tem nem ao menos respeito com seus
pacientes e ainda, acham que sem eles não vivemos. Ora, claro que eu sou o
chato da história e que tudo isso eu tirei dos contos de fadas da minha cabeça
e a prioridade de toda pessoa com deficiência que se prese é transar. O
deficiente pode estar na cama, todo torto e nem uma cadeira de rodas para usar,
não faz nada na vida para ter uma cabeça boa (porque essa coisa de Cinquenta
Tons de Cinza é coisa de gente carente que tem sérios problemas psíquicos), não
quer saber nem ao menos de política e das leis que tem direito, mas transar ele
não abre mão. Mas nós temos que aguentar transporte de quinta, médicos de
quinta categoria, uma cidade porcaria sem nenhuma calçada acessível, pessoas na
cama com dor porque as entidades do naipe de uma AACD têm muito papo e pouca
ação e as pessoas preocupadas com exposições eróticas (que nem sabem de onde
vem o termo), querem saber das paraolimpíadas e numa porcaria de guerra
política que eu não vejo diferença nenhuma entre esquerda e direita. Calma que
não acabou.
Se temos o direito de nascer, se temos o direito de ter um
tratamento de saúde, de habilitação e reabilitação e transporte para isso, transporte
de qualidade, temos direito a educação. Educação é um direito básico de todo
ser humano – pelo menos assim diz a ONU – onde a criança tem o direito de ser
inserida dentro da sociedade e conhecer a cultura da comunidade e seus
ancestrais ensinaram ao longo dos séculos. Se pensamos muito intimamente, sem
ideologias inúteis e religiões que nada acrescentaram o ocidente, toda cultura
que temos vem da necessidade de criar aprendizados para melhor vivemos dentro
dessa mesma sociedade. Ora, se temos o direito de sermos vistos como seres
humanos (nosso DNA é 100% humano, garanto), por que raios não podemos estudar
em uma escola regular com as outras crianças? Porque sem a educação – porque
acharam que deveríamos ter cotas para trabalhar e não para estudar, isso remete
a incompetência de alguns movimentos – não teremos como ser aptos aos trabalhos
e a lei de cotas, será inútil. Porém, quem não quer seu filho educado? Quem não
ser conhecer e participar do momento histórico? Mas num país que um Museu da
Inclusão só abre de semana, num país que acha que pessoas com deficiência é boa
para receber benefício, ser no máximo telemarketing, ser palhaço de circo ou
algo desse gênero, pensa que não queremos estudar e não temos que estudar,
porque se escrevem tantas bobagens nas redes sociais, devem estar felizes.
Rirem da condição mais deprimente que se encontram, então, dane-se se ganham
essa miséria. É a decadência de um sujeito que pensa, somos decadentes ao ponto
de ser otimista por causa de coisas que não temos, coisas que não vamos lutar,
coisas que não priorizamos. Ali no chão pisaram num deficiente, limpe os
sapatos.
Temos o direito à vida, direito a saúde, direito a
transporte, direito de ir e vir, direito a educação, agora, temos o direito ao
trabalho digno. Já que nascemos, já que aguentamos inúmeras operações e
fisioterapias, já que estudamos e aguentamos professores reclamando de salário
e que não sabem lhe dar conosco, nada melhor que, ter o direito de trabalhar e
ter seu próprio dinheiro para fazer o que quisermos. Como poderemos viajar para
as praias acessíveis? Como fazemos para comprar nosso próprio carro? Como
fazemos para comprar camisinha para transar? Como faremos para comprar nossa
própria cadeira de rodas? Como fazemos para convidar o novinho ou a novinha
para a lanchonete? Primeiro é saber que você está vivo, segundo é que você
venceu os médicos chatos da AACD e que te arrumaram mais ou menos (em alguns
casos, pioraram muito), depois que você estudou pra caramba, depois que você
fez aquele TCC que deixou você pior que o Jon Snow no final da 5º temporada do
Game of Throne, e o principal, trabalhar. Aristóteles, assim dizem, dizia que
era melhor dar um oficio para os “inválidos” do que o governo sustentar. Ele
tem razão, mas o empresário brasileiro não pensa aristotelicamente, pensa muito
utilitariamente, se o cara está numa cadeira de rodas, então, ele não funciona.
Querem deficiente que anda bem, que escuta bem, que fala bem, tenha boa
aparência, tenha uma boa habilidade e o principal, tenha experiência. Se o Sr
Paulo Skaf explicar como se consegue experiência sem a menor noção o que é
trabalhar eu agradeço, pois deve ter algum segredo secreto para ser experiente
já na universidade. Claro, nós pessoas com deficiência somos muito mais
cobrados do que os outros, pois, somos os “heróis da superação”.
Agora entenderam que uma coisa está ligada a outra? Não dá
para pensar em sexualidade sem o direito à vida, sem o direito a saúde e
habilitação e reabilitação, sem transporte, sem educação e sem trabalho. Todos
esses itens são itens que dignificam o homem e mais incluem o ser humano a ser
e se sentir ser humano. A sexualidade é um outro aspecto de identificação como
uma identificação de responsabilidade e respeito ao companheiro, mas não pode
ser caracterizado como um meio a inclusão. Aliás, o esporte que é tão cultuado
no nosso meio não pode ser um fim, pois, nem todo mundo pode fazer esporte, nem
todo mundo quer fazer esporte. Quem lembra de escritores com deficiência? Quem
lembra de pessoas que fazem diferença a não ser no esporte? Temos poetas com
deficiência, temos escritores com deficiência, deputados com deficiência, temos
professores com deficiência, entre outras coisas, que nesse século superamos,
mas há um apelo ainda, no requisito físico. Parece que as pessoas com
deficiência têm uma grande necessidade de fazer só esporte e só pensar em
transar, só olhar nos grupos desse porte, fotos, procura, identificação, mas não
há meios se você se sente vazio, você se sentir um nadinha coisa nenhuma. Quem vai
olhar para o nada? Quem vai olhar para pessoas que pedem desculpas para pedra
que tropeçaram?
Enquanto isso, vans capotam ou batem, pessoas ficam de cama,
pessoas não tem cadeiras de rodas para andarem, não existe uma ordem dentro da
agenda dos movimentos e ongs, há o que achamos o certo e deixamos a coisa rolar
que não é assim. Fora que alguns paladinos da inclusão já estão escrevendo inglês,
espanhol, alemão, francês e só falta escrever em português, estudar e virar
gente senão, o segmento das pessoas com deficiência vai estagnar em promessas
vazias e não quero ficar em promessas vazias, sinto muito.
Tomem vergonha na cara e leiam coisa de verdade, uma história
de um casal como vocês, O Caminho.
Amauri Nolasco Sanches Jr, 40, escritor e filósofo.
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