quarta-feira, 27 de julho de 2016

Deus está morto, nós o matamos!




Amauri Nolasco Sanches Jr
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O Homem Louco – […] Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmo nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então” – Nietzsche, Gaia Ciência, §125
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Não tenho nada contra ateus, acho eu que, as vezes, eu sou um ateu no sentido de não acreditar nas religiões vigentes, mas acho que o ateu militante é muito chato e tem um papo muito chato. O ateu militante defende tanto a bíblia que até desconfio que ele é mais religioso do que o mais fanático dos crentes, porque sempre vai pegar um trecho que ele acha certo e fica dizendo que Deus é assassino. Deus é assassino ou o homem não tem o limite de achar que é dele a culpa de tudo isso que está acontecendo? Porque não podemos, em hipótese nenhuma, achar no direito de falar que um cara que esfaqueou os velhinhos do asilo é culpa de Deus, mesmo o porquê, o ato partiu dele e não do Eterno. Escolhas e apenas, escolhas e somos presos dentro da nossa própria liberdade. Então, por que culpar um ser metafisico que nem está preocupado do que estamos pensando? Por que eu vou me preocupar com um livro que tem 3 mil anos?

Nesse aforisma, Nietzsche não decreta a morte de Deus numa forma de ele achar ou não que Deus morreu, mas o sintoma que a humanidade mata Deus para colocar outros ídolos. Um ateu não entende que se os crentes colocam um ser metafisico como um “pai” que providenciara seu futuro (porque o cristianismo sempre estará preocupado com o devir), a não existência de Deus é outra desculpa que temos de não nos apegarmos a nenhuma moral, o senso de providencia acaba sendo na ciência. O termo ciência veio do latim scientia que quer dizer “conhecimento”, estão se temos o conhecimento, temos a capacidade de entender. Acontece que entender nem sempre é a capacidade de sintetizar aquilo que é, porque sempre vamos construir subterfúgios para impor nossa própria crença. Sim, não acreditar também é acreditar em algo. E outra, você não acredita naquilo que não existe, você só pode acreditar ou não, naquilo que existe. Se temos o termo “Deus”, ele já existe na questão linguística que pode ser ou não mera invenção humana. Mas o que é a verdade ou não? O que é a realidade ou não?

A destruição de verdades religiosas não podem ser alicerces para a mitificação da ciência.   Se a ciência deu a cadeira de rodas que estou sentado, o notebook que estou escrevendo, também construiu bomba atômicas que mataram milhões em explosões e testes (até hoje o auto índice de câncer é por causa dos testes nucleares), deu doenças por causa de pesquisas que fugiram do controle, experiência secretas que fazem e desiquilibram a fauna e a flora. A ciência mais excluiu o ser humano com deficiência do que incluiu, mais separou as etnias do que juntou, mas levou o ser humano as doenças do que as curas em nome do dinheiro, em nome da indústria farmacêutica. A promessa da “deusa” ciência que tanto os iluministas defenderam, não se fez realizar por causa do desejo de querer sempre mais, da ganancia e da estupides humana. Não curou as deficiências (algumas nem diagnosticou), não curou o câncer e nem a AIDS (aliás, mesmo que o HIV não tenha sido feito em laboratório, se não fosse escapar o vírus, talvez não teríamos essa epidemia), nos deu a eugenia, nos deu a arrogância de querer controlar a natureza e querer ser “deuses”. Cientistas como o biólogo Richard Dawkins, achando no direito de chamar os religiosos de idiotas, de achar no direito de dizer para as mães de crianças com síndrome de down que é imoral ter uma criança dessas (que aliás, é uma das deficiências que a ciência não curou e nem sabe o porquê da multiplicação do cromossomo 21). Quem é imoral da história, a religião que explode monumentos de séculos, queimam quem está contra sua teologia, coloca a imagem de pessoa satânica quando não concorda com que acredita ou uma ciência que não cura, que destrói, que se vende, que coloca o bem da humanidade um preço e tenta dar a ela uma moral tosca que não fara diferença nenhuma se existir? É difícil de saber.


Não estou defendendo a religião, pois, a religião destruiu a verdadeira espiritualidade e a moral humana de ser o que é (ter a consciência de si depois da religião, é uma tarefa difícil), mas devemos colocar a ciência no lugar dela sem divinizar sua natureza. A mistificação de muitas coisas é sim culpa da ciência que poderia fazer mais, poderia produzir mais curas, mas se prendem em amarras vaidosas do poder e da fama. Como está no livro Gaia Ciência de Nietzsche: “não escolhem jamais seus aliados e amigos sem segundas intenções”. Ele estava falando das pessoas famosas e políticos, mas poderíamos estender a todos aqueles que estão no meio e detém o poder. O poder é a grande “alma” das liturgias religiosas e pesquisas cientificas, o poder que manipulam as massas conforme os seus interesses, é o poder que engana e distorcem tudo. As ideologias vão dar apenas o que o poder precisa, não mais as religiões vão fazer isso, mas as ideologias cientificas. Não vimos isso com o comunismo? Não vimos isso com os governos liberais e “democráticos”? O nazismo e o fascismo? A reflexão começa aí, termina junto ao que é a realidade, tudo se “prostitui” ao poder. Tanto se apela a lógica, mas lógica vem do grego LOGIKE TECHNE “arte de raciocinar”, de LOGIKÓS “relativo ao raciocínio”, de LOGOS “razão, ideia, palavra”. Uma coisa lógica é uma coisa raciocinada e não podemos destruir um ídolo para criar o outro, pois se não, iremos destruir a nós mesmos. 


terça-feira, 26 de julho de 2016

Uma "escola sem partido" e sem acessibilidade #escolasempartido




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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Campanha: “sim, nós fodemos”. Entre a erotização e a pornografia




Amauri Nolasco Sanches Jr

A algum tempo, meses atrás, eu critiquei uma colega fotografa por causa da exposição de pessoas com deficiência (na maioria mulheres), de saírem nuas e mostrando que temos sexualidade. Há várias fotos mostrando esse lado dentro da mesma premissa, aliás, até o ressente cadeirante Fernando Fernandes (que foi um dos big brothes), fez um ensaio desse tipo e achei bonito como achei também as fotos da colega interessantes. Mas cadê a afetividade? Cadê a questão do sexo com o amor? Acho eu, que a proposta da Noruega e da Finlândia, foram muito mais interessantes no sentido dar as pessoas a ideia, que sim somos providos de sexualidade e sim podemos ter uma afetividade e ter um relacionamento. Até, quando eu tinha o outro blog, eu escrevi sobre um cara (político aliás) que tirou fotos nu no meio de um campo e ele tem uma deficiência que mostra um corpo que não é como as outras pessoas. Achei interessante.

Essa campanha “sim, nós fodemos” seria muito mais interessante se fosse levada mais com premissas mais aprofundadas e pouco, simplistas. Ora, todo mundo sabe que as pessoas com deficiência transa e tem desejos como todo mundo tem, mas é tomar cuidado com a péssima mania da nossa cultura de generalizar tudo. Se eu digo que alguma coisa do tipo “eu não fodo, faço amor” o pessoal me transforma em um arrogante, romântico e por cima, conservador que para mim sendo anarco-libertario, me dará muita urtiga (coceira), só de pensar eu conservador. Mas digo que eu não fodo, no sentido de que eu sou um ser humano que raciocina e tem afetividade e quando não tem desejo, não tem transa e isso vale, pelo menos para mim, um ponto importante de “gostar de si”. Minha afetividade é importante, assim como a vontade com que quero me relacionar e respeitar quem estará ao meu lado nesse momento.

A discussão começa mais ou menos assim: até quando as pessoas com deficiência vão diferenciar aquilo que é erótico e aquilo que é pornografia? Tudo que é erótico tem a ver com o deus Eros que era o deus grego do amor e dos casais apaixonados que os romanos, muito tempo depois, irão chama-lo de cupido. O erotismo não é o sexo por sexo, você vai sensualizar para colocar prazer dentro de uma relação, não é uma copula apenas, tem a ver com a afetividade e com a vontade de se parecer desejável.  Talvez, por isso mesmo que o Cinquenta Tons de Cinzas fez sucesso, porque é uma erotização do relacionamento e não uma copula necessariamente. Já pornografia quer dizer outra coisa completamente, diferente. O termo pornografia vem do grego PORNOGRAPHOS que quer dizer: “Aquele que escreve sobre prostitutas” de PORNE que significa “prostituta”, originalmente, “comprada, trocada”, de PERNANAL (vender), mais GRAPHEIN que é “escrever”.

Acontece que se fomos analisar bem a fundo, a erotização é um platonismo (referente ao filósofo grego Platão) declarado no sentido de dar ao amor uma coisa muito mais corporal e não só idealizar o amor. Aliás, essa expressão do amor platônico é uma expressão de pessoas que leram muito pouco Platão, porque para o filósofo, o amor é corpo e o belo enquanto a “sacramentação” da imagem do corpo como via daquilo que existe para nós. Para Platão o deus Éros é uma entidade gerada entre Poros (recursos) que era neto de Métis (sabedoria e inteligência pratica), com Pinia (carecia, pobreza) que aproveitou do sono do deus para se deitar com ele. A erotização (num modo platônico) é a riqueza e a beleza do austero momento da paixão sendo vivenciado dentro daquilo que temos carência, ou seja, se uma pessoa falta amor, ela vai procurar no outro o amor. A erotização sempre é a valorização da beleza daquilo que te falta, daquilo que não temos em concreto e aí entra o amor ideal, o amor chamado platônico é o amor idealizado daquilo que não temos, nossa carência.

Mesmo Eros sendo feliz por ter recursos (riquezas) e ser belo (por isso procura a beleza), ele sempre quer cada vez mais e essa carência é algo que é infinita. Nada se compara com o amor belo, o amor cortes que tanto encheu os lares na idade média (que na realidade, o casal não tinha nenhum laço de amor). Se um ensaio sensual é algo erótico (no sentido da busca da beleza) a depravação é algo que são produzidos por corações cínicos (destruir valores por esses valores não satisfazerem seus anseios libertinos), como o funk carioca, destrói a erotização do amor-paixão para somos o instinto da copula e isso é fato. Isso é a pornografia, aquilo que se vende, aquilo que se prostitui somente pelo sexo. A expressão “sim, nós fodemos” é uma expressão pornográfica, uma expressão que não eleva as pessoas com deficiência ao amadurecimento de uma relação, mas concordando com a sociedade, não somos adultos. E a afetividade?

Acho interessante essa discussão porque desemboca sempre naqueles que querem ser moderninhos na hora da transa, mas na hora de conservar a religiosidade e julgamento do outro, é um conservador feroz.  A pergunta “e a afetividade? ”, não é uma pergunta romântica, porque o romantismo aqui no Brasil é sempre a mocinha que não pode ou não quer ficar com o mocinho que ama. Existem pessoas, acreditem, que ainda choram pela primeira namorada ou namorado, mesmo o porquê, todo homem é machista e toda mulher é feminista entre quatro paredes. Mas como dizia: quando faço essa pergunta eu faço num modo erótico, num modo entre duas pessoas que amam a beleza um do outro, porque a pessoa que você escolheu para você é a pessoa mais bela que existe. O amor- paixão já é um ato erótico de sempre desejar o ser amado perto de você, sentir seu cheio e sentir o calor do seu corpo num simples abraço e isso há imensas confusões. E essas confusões, sempre vem da religião, sempre vem num ar de que algo tem que ser aquilo que não é, aquilo que idealizamos como um ideal de amor sem a paixão. Talvez por isso existem tantos divórcios e tantas infelicidade, porque idealizamos muito o amor e tiramos a paixão dentro dele. Para mim uma foto de uma pessoa só não é erotização, para mim é pura pornografia no sentido da depravação daquilo que deveria ser que é o amor – paixão, o amor que quer ficar junto com o ser amado para sentir o seu odor. Por isso mesmo eu gostei da proposta norueguesa de mostrar casais com paralisia cerebral, porque mostra a paixão, mostra o querer ficar junto mesmo com a deficiência.

Há uma deficiência e isso é fato, não há o que discuti ou muito menos fugir, só que fugimos daquilo que é importante para nós para fazer o que o outro queira. Eu tenho bem claro dentro de mim que as pessoas devem fazer o que achar conveniente, claro dentro da lei vigente, mas eu querer fazer e achar que os outros devem fazer é uma diferença grande e não vamos convencer ninguém com perguntas idiotas. Eu costumo dizer que sou um nietzschiano no sentido de sempre querer o orgânico, aquilo que podemos sentir com a potencialização da vida, o amar para mim tem que ser o outro, tem que ser o querer pegar e sentir o amor com a paixão. As idealizações são de pessoas que querem fugir, querem uma esperança a uma vida vazia e sem um proposito, um nada que precisa de um herói e um deus para realizar aquilo que deveria ser a própria pessoa que deveria fazer. A erotização é o orgânico, é o suor, é o cheiro, é o toque daquele que ama e sente até paixão em amar o outro; a pornografia é o ato do ressentido, aquele que precisa comprar o outro (no caso a prostituta), para só achar que os meios justificam os fins, como diria Maquiavel. Ou seja, para me satisfazer no meu vazio eu tenho que apenas comprar, eu apenas devo fazer algo mecânico que a sociedade pede que eu faça. Quando se fala “sim, nós fodemos! ”, usamos um termo pornográfico no sentido de prostituir mesmo, degradar aquilo que devemos valorizar, nosso corpo e não é um discurso moralista. Ser moralista não é defender uma moral, mas defender apenas uma verdade, uma regra que deveriam seguir a partir do seu próprio imperativo.

Eu acho que aí que está o problema: o moralista se transveste de moderninho para dizer ao outro como se comportar, ou seja, fala da corrupção do governo, mas se tiver oportunidade rouba uma bala na venda. Isso não tem nada a ver com desenhos animados (como vi que colocaram o pica pau como um mal caráter, coisa de gentinha que não entendem contextos), mas tem a ver com a imagem da educação e mostrar que o outro pode sim fazer o que quiser, como eu posso escolher o não fazer. O “sim, nós fodemos” não está mostrando que temos vontades e desejos, está colocando a deficiência como uma desculpa para a “venda” do amor só por causa da carência. Nisso eu não concordo com Platão, Eros não nasce da Pinia (carência), porque quando amamos não temos carência nenhuma e sim, um querer o outro não para nos completar, mas para sentir o outro. Hesíodo tem mais razão, Eros (o amor), nasce junto com o Caos e é um deus primeiro onde existe a vontade de harmonizar aquilo que está no caos, aquilo que não tem sentido. Tanto é, que o cristianismo vai colocar o deus abraâmico em um deus de amor, um deus que faz todo o universo porque ama a sua criação e harmoniza o caos. Talvez Hesíodo não está tão longe do deus abraâmico, o caos e o amor vem primeiro, mas daí que entra o barato. 


Quando nos apaixonamos (porque, sim, o amor deve ter uma certa paixão), sempre nos remete ao caos, porque tudo parece intenso com aquela pessoa. Depois tudo se harmoniza, tudo concede dentro de um acordo, mas a paixão não deve morrer, ela deve se harmonizar. Então, não podemos amar e ser amados? Temos que só dizer que “fodemos” no sentido de só fazer sexo? Quando o pessoal vai sair da sua adolescência perpetua? Resta a dúvida. 




Eros e Sua Mãe Afrodite. O Julgamento de Páris Pintura de Enrique Simonet



quinta-feira, 14 de julho de 2016

O cartesianismo virtual







Amauri Nolasco Sanches Jr
(Amauri.njunior@gmail.com)


Rene Descartes (em português Renato Descarte e em latim Renatus Cartesius), viveu em um período onde as crenças religiosas começaram a serem questionadas e pondo a prova da verdade. Era o século quinze para dezesseis e a renascença (o renascimento da era da razão), quando o mundo começava a questionar se existia lógica no pensamento da igreja e se existe ou não embasamento para isso. Então, no O Discurso do Método que é sua obra mais importante (pelo menos para mim), vai dizer aos céticos que se há dúvida, tem que haver uma duvida geral. Ora, se não há certeza que existe um Deus que originou tudo e há duvida da veracidade de tudo que há na bíblia, podemos também contestar a veracidade de toda a realidade que nos cerca e até a da ciência. Daí Descartes vai formular sua mais famosa formula que vai contestar a nossa realidade, o congito ergo sun ou em bom português, “eu penso, logo eu existo”, pois, ao pensar estou constatando que eu não tenho dúvida da minha existência, mas posso duvidar da existência da realidade geral. Logo, podemos ver que a internet com seus usuários não é muito cartesiana nesse requisito, pois, podemos constatar que as pessoas acreditam em tudo que vê e lhe interessam.

Talvez, de uma maneira mais ou menos radical do meu modo de ver, as pessoas esqueceram da razão um pouco e equilibrar as coisas. Porque a internet assim como o Facebook, ficaram binários e essa parte do cartesianismo que o poder gosta. Em um outro momento (eu só li O Discurso do Método), Descartes vai formular que existe dois lados que são antagônicos, um lado é o gênio do mal e o outro lado, é o gênio do bem que ficam dizendo para ou fazer o bem, ou para fazer o mal. Claro, fica evidente, que Descartes ainda está contaminado com a sua crença de bem ou mal da sua fé do catolicismo (já que Descartes era católico declarado), que em muitas passagens, vai ficar marcado. O bem e o mal cartesiano assim como o corpo (res extensa) e a alma (res cogitans), vai modificar e muito a visão da humanidade sobre os dois princípios que regem a nossa consciência, hora rejeitada, hora aceita. Embora foi, nitidamente, uma faca de dois cumes, porque a humanidade pôde tirar a culpa de si mesmo para colocar ou no gênio do mal, ou no gênio do bem.

Mas sigamos.

No cogitans se traduz “alma”, mas não é bem assim. Alma dentro da filosofia é aquilo que sentimos, aquilo que somos como seres afetivos e racionais e que faz de nós sermos seres humanos. Além disso é só discurso vazio. Tanto é que quando fazemos uma maldade somos seres sem alma (como dizem de Hitler, um ser sem alma), e quando fazemos a bondade, somos seres com a alma elevada. Essa dicotomia, que não é nova, foi muito difundida numa crença antiga chamada de maniqueísmo que veio de um filósofo cristão chamado Maniqueu que dividia o bom (Deus) e o mal (diabo). Nesse caso, o bem é a elevação da alma ao corpo, e o mal é a elevação do corpo a alma (assim via Descartes que não diferenciava dos católicos e é a mesma linha de Santo Agostinho). Ora, se temos um gênio para cada fase daquilo que fazemos, segundo o cartesianismo, então a culpa nunca é nossa dentro de uma perspectiva mais realista do mundo que nos cerca. Então, a culpa de ser corrupto é do outro, nunca é nossa que elegeu o corrupto, por exemplo; quando causamos um acidente sempre a culpa é o outro que nos fechou e não vimos, sempre o outro vai nos dizer o que fazer da nossa vida e as nossas decisões. O cogitan no meu entender, é a mente que vai além do cérebro, pois, usando uma analogia de informática, o cérebro é o hardware (a parte física) e a mente é o software (a parte virtual).

Tudo aquilo que é virtual é uma potencialidade de existir e isso veio primeiro de Platão (na sua teoria das formas) e depois, objetivamente, em Aristóteles. Virtual vem de virtus que quer dizer: “excelência, eficácia, potência, capacidade para”, que literalmente vem “hombridade, virilidade”, pois, veio de VIR que é “varão, homem”. Dois significados foram incluídos dentro do virtual: uma em 1650 “ser algo na essência, mesmo que não no nome”; e a segunda em 1959 “inexistente fisicamente, mas se faz aparecer por meio de software”. É mais ou menos a questão do o que seria realidade e o que não seria realidade, o limite do “eu sou” com o “eu estou”, sendo o que, o “eu sou” é o que me vejo como um ser consciente que sei da minha existência e o “eu estou” é a base do que é a realidade de fato.  Deparáramos com um paradoxo: se o “eu sou” é tudo aquilo que cabe na minha natureza (imanência), o “eu estou” é aquilo que percebo dentro da realidade que existo (transcendência), então, a minha moral (meus valores no meio dos costumes), vai me fazer aceitar tanto o “eu sou” como uma natureza concreta, quanto o “eu estou” numa perspectiva de realidade objetiva. Qual é a realidade objetiva? Tudo que é objetivo tem a ver com o objeto referido a consciência da existência, pois, tudo que podemos ver e dá um nome é uma realidade objetiva que é o ambiente concreto daquilo que eu percebo como real. A moral, por exemplo, é de ordem subjetiva porque tem a ver daquilo que aprendemos como uma realidade dentro de nós mesmos.

Por que efetivamente eu estou mostrando o cartesianismo? O que estou vendo no meio das redes sociais (seja no Facebook, Twitter, etc), é um modo de pensar muito cartesiano entre o gênio do bem, o gênio do mal. Ou seja, se você defende algo neutro dentro da realidade política vai se transformar em “isentão”, se você defende uma maior liberdade sem perder nossa individualidade (seja no gênero, na religião, no modo de vida), te transformam em “esquerdista” e se você defende alguns valores tradicionais como família, como privatização das estatais, o fim de alguns benefícios você virara um “coxinha”. Basicamente seria como o bem o mal maniqueísta que ou você defende o bem (como uma tradicional propaganda de margarina), ou você defende o mal (o caos perpetuo de um show de heavy metal). Nitidamente, uma versão um pouco mais romântica do caos e harmonia grego clássico que vimos na mitologia e na filosofia. Só que todo esse fenômeno de opiniões é outro caso bem básico de acreditar em tudo que se ler, tudo que se escuta, tudo que pensamos, poder mudar nosso país e nossas vidas fazendo das redes sociais, rings de brigas desnecessárias e discussões vazias. Não que as pessoas são burras ou que não raciocinam, mas são analfabetos funcionais (não sabem interpretar uma notícia), e espalham ignorância cada dia mais.

Primeiro, você tem que analisar o que se ler numa forma social. Nisso devemos usar a fenomenologia, pois, tudo aquilo que está dentro de mim (a imanência) tem que transcender para além daquilo que eu acho certo. Husserl (filósofo alemão que viveu no começo do século XX), desenvolveu sua teoria a partir das considerações cartesianas mais propriamente dentro do “eu penso, logo existo”, onde, o “eu penso” é o “eu sou” que é imanência e o “logo existo” que é o “eu estou” que é a transcendência. Tudo que é imanente é o que o ente tem de essência ou que imutável perante a realidade, porque é o que o ser é e é por isso, que algo imanente é algo que não pode ser mudado. O “eu sou” é a natureza do ser humano segundo a construção dos seus valores, daquilo que ele é enquanto ser único dentro de uma realidade mutável. Então, o “eu sou” é imanente porque não muda, é inerente ao que podemos mudar. A existência é algo imanente, pois, eu existo porque percebo que estou pensando diante do que estou escrevendo no texto. A grosso modo, o ser enquanto consciência individual é imanente, a realidade que me cerca é transcendente. Daí a Husserl vai perceber uma coisa, para avaliarmos a realidade como ela é nós seres que temos consciência (somos imanentes enquanto alguns valores), necessitamos sair dentro do “eu sou” e entrar do “eu estou”.

A título de exemplo, termo da moda, vamos pegar o conhecido filósofo (assim chamam) Olavo de Carvalho e pegar o “carro chefe” das suas “loucuras” que chamam de filosofia, que o PT (partido dos trabalhadores) é um partido comunista. Ora, para uma análise profunda devemos analisar historicamente e não subjetivamente o caso, pois, o PT é um partido trabalhista e não comunista e outra, não sabem nem o que é sindicalismo, quanto menos, comunismo. Na verdade, os intelectuais que ajudaram a formar o partido eram em sua maioria, filhos da burguesia que queriam mudar o mundo e no meio desse processo, começaram a se corromper e a quebrar um monte de pontos éticos que não vou enumerar. O ponto é: a visão do Olavo (nada contra ele), é uma visão daquilo que ele carrega como valor ético e porque não, moral da sua vivencia no meio da guerrilha no tempo do militarismo e no meio da Guerra Fria. Então, a convicção que o Olavo de Carvalho tem do petismo é um comunismo que quer ainda dominar o mundo usando o populismo e as muitas bravatas que o Lula usa, mas que é uma visão imanente do Olavo que não existe mais. Ora, na essência (olha a imanência de novo), o petismo não é de todo errado e sim, a quebra de alguns valores que fizeram o petismo como uma ideologia errada. Tirando a utopia da igualdade (aí é uma discussão sobre a subjetividade humana em sua individualidade), a abertura da discussão das minorias (como guetos marginais), a discussão da modernização do Brasil (que em pleno século vinte um não aconteceu), foram importantes dentro da capacidade objetiva de uma evolução social. Mas isso não quer dizer que se tem o aval de quebrar estatais, de corromper instituições, acabar com setores essenciais com gerentes que foram indicados (não pela competência, claro), pegar dinheiro público para pagar dívidas partidárias e outras coisas. O que eu fiz foi a “transcendência na imanência”, ou seja, fui além da visão imanente que se tem do petismo e transcendi o que de importante houve dentro da discussão verdadeiramente, se foi um ato demagogo, daí é uma outra discussão. E outra coisa, não foi só o PT que corrompeu e não foi só um partido que corrompe a administração do nosso pais.

Segundo, o governo não governa só para você e sim, governa uma nação inteira. O que vejo no Facebook é que o pessoal pensa que o governo tem que governar para uma parcela, pois, ainda pensam que eles têm a obrigação de dar algo só para o indivíduo. Se reivindicamos escolas, são para todos, se reivindicamos transporte, são para todos, e não adianta achar que a sua religião é a mais certa do que a outra, porque a república é laica (o princípio da laicidade não é o ateísmo, mas que abrange todas as religiões). A noção cartesiana maniqueísta binaria (ufa!), nos faz ainda ter um lado certo para seguirmos e nem sempre vamos achar o caminho que se satisfaça como algo que acrescentara na vida. E por causa dessa visão, sempre haverá heróis oportunistas que vão sempre usar um dos lados e vão achar meios para convencer um desses lados. Por que devo escolher um lado? Por que devo ser dividido entre corpo e alma? Esse é o maior mistério da espécie humana, o conceito binário que nada acrescenta a sociedade.


Essa forma única (mesmo binaria é única), vem trazendo muitas coisas que não são verdade. Aliás, não existe verdades absolutas e nem pouco fatos eternos, porque um fato é uma sucessão de atos e uma sucessão de atos um dia acaba, não tem razão nenhuma de acontecer. Verdades são ditas e depois mudam, porque essas mesmas verdades são mutáveis, ou seja, se a 2500 anos atrás acreditávamos nos deuses olímpicos (falando de ocidente greco-romano), hoje se acredita no deus hebraico. As verdades são verdades enquanto são sustentáveis, enquanto duram as crenças e a cultura que sustente essas verdades, pois, quando essas verdades não têm nenhuma razão de existir, elas mudam. Hoje algumas insistem em ficar, mas são inúteis.