segunda-feira, 25 de julho de 2016

Campanha: “sim, nós fodemos”. Entre a erotização e a pornografia




Amauri Nolasco Sanches Jr

A algum tempo, meses atrás, eu critiquei uma colega fotografa por causa da exposição de pessoas com deficiência (na maioria mulheres), de saírem nuas e mostrando que temos sexualidade. Há várias fotos mostrando esse lado dentro da mesma premissa, aliás, até o ressente cadeirante Fernando Fernandes (que foi um dos big brothes), fez um ensaio desse tipo e achei bonito como achei também as fotos da colega interessantes. Mas cadê a afetividade? Cadê a questão do sexo com o amor? Acho eu, que a proposta da Noruega e da Finlândia, foram muito mais interessantes no sentido dar as pessoas a ideia, que sim somos providos de sexualidade e sim podemos ter uma afetividade e ter um relacionamento. Até, quando eu tinha o outro blog, eu escrevi sobre um cara (político aliás) que tirou fotos nu no meio de um campo e ele tem uma deficiência que mostra um corpo que não é como as outras pessoas. Achei interessante.

Essa campanha “sim, nós fodemos” seria muito mais interessante se fosse levada mais com premissas mais aprofundadas e pouco, simplistas. Ora, todo mundo sabe que as pessoas com deficiência transa e tem desejos como todo mundo tem, mas é tomar cuidado com a péssima mania da nossa cultura de generalizar tudo. Se eu digo que alguma coisa do tipo “eu não fodo, faço amor” o pessoal me transforma em um arrogante, romântico e por cima, conservador que para mim sendo anarco-libertario, me dará muita urtiga (coceira), só de pensar eu conservador. Mas digo que eu não fodo, no sentido de que eu sou um ser humano que raciocina e tem afetividade e quando não tem desejo, não tem transa e isso vale, pelo menos para mim, um ponto importante de “gostar de si”. Minha afetividade é importante, assim como a vontade com que quero me relacionar e respeitar quem estará ao meu lado nesse momento.

A discussão começa mais ou menos assim: até quando as pessoas com deficiência vão diferenciar aquilo que é erótico e aquilo que é pornografia? Tudo que é erótico tem a ver com o deus Eros que era o deus grego do amor e dos casais apaixonados que os romanos, muito tempo depois, irão chama-lo de cupido. O erotismo não é o sexo por sexo, você vai sensualizar para colocar prazer dentro de uma relação, não é uma copula apenas, tem a ver com a afetividade e com a vontade de se parecer desejável.  Talvez, por isso mesmo que o Cinquenta Tons de Cinzas fez sucesso, porque é uma erotização do relacionamento e não uma copula necessariamente. Já pornografia quer dizer outra coisa completamente, diferente. O termo pornografia vem do grego PORNOGRAPHOS que quer dizer: “Aquele que escreve sobre prostitutas” de PORNE que significa “prostituta”, originalmente, “comprada, trocada”, de PERNANAL (vender), mais GRAPHEIN que é “escrever”.

Acontece que se fomos analisar bem a fundo, a erotização é um platonismo (referente ao filósofo grego Platão) declarado no sentido de dar ao amor uma coisa muito mais corporal e não só idealizar o amor. Aliás, essa expressão do amor platônico é uma expressão de pessoas que leram muito pouco Platão, porque para o filósofo, o amor é corpo e o belo enquanto a “sacramentação” da imagem do corpo como via daquilo que existe para nós. Para Platão o deus Éros é uma entidade gerada entre Poros (recursos) que era neto de Métis (sabedoria e inteligência pratica), com Pinia (carecia, pobreza) que aproveitou do sono do deus para se deitar com ele. A erotização (num modo platônico) é a riqueza e a beleza do austero momento da paixão sendo vivenciado dentro daquilo que temos carência, ou seja, se uma pessoa falta amor, ela vai procurar no outro o amor. A erotização sempre é a valorização da beleza daquilo que te falta, daquilo que não temos em concreto e aí entra o amor ideal, o amor chamado platônico é o amor idealizado daquilo que não temos, nossa carência.

Mesmo Eros sendo feliz por ter recursos (riquezas) e ser belo (por isso procura a beleza), ele sempre quer cada vez mais e essa carência é algo que é infinita. Nada se compara com o amor belo, o amor cortes que tanto encheu os lares na idade média (que na realidade, o casal não tinha nenhum laço de amor). Se um ensaio sensual é algo erótico (no sentido da busca da beleza) a depravação é algo que são produzidos por corações cínicos (destruir valores por esses valores não satisfazerem seus anseios libertinos), como o funk carioca, destrói a erotização do amor-paixão para somos o instinto da copula e isso é fato. Isso é a pornografia, aquilo que se vende, aquilo que se prostitui somente pelo sexo. A expressão “sim, nós fodemos” é uma expressão pornográfica, uma expressão que não eleva as pessoas com deficiência ao amadurecimento de uma relação, mas concordando com a sociedade, não somos adultos. E a afetividade?

Acho interessante essa discussão porque desemboca sempre naqueles que querem ser moderninhos na hora da transa, mas na hora de conservar a religiosidade e julgamento do outro, é um conservador feroz.  A pergunta “e a afetividade? ”, não é uma pergunta romântica, porque o romantismo aqui no Brasil é sempre a mocinha que não pode ou não quer ficar com o mocinho que ama. Existem pessoas, acreditem, que ainda choram pela primeira namorada ou namorado, mesmo o porquê, todo homem é machista e toda mulher é feminista entre quatro paredes. Mas como dizia: quando faço essa pergunta eu faço num modo erótico, num modo entre duas pessoas que amam a beleza um do outro, porque a pessoa que você escolheu para você é a pessoa mais bela que existe. O amor- paixão já é um ato erótico de sempre desejar o ser amado perto de você, sentir seu cheio e sentir o calor do seu corpo num simples abraço e isso há imensas confusões. E essas confusões, sempre vem da religião, sempre vem num ar de que algo tem que ser aquilo que não é, aquilo que idealizamos como um ideal de amor sem a paixão. Talvez por isso existem tantos divórcios e tantas infelicidade, porque idealizamos muito o amor e tiramos a paixão dentro dele. Para mim uma foto de uma pessoa só não é erotização, para mim é pura pornografia no sentido da depravação daquilo que deveria ser que é o amor – paixão, o amor que quer ficar junto com o ser amado para sentir o seu odor. Por isso mesmo eu gostei da proposta norueguesa de mostrar casais com paralisia cerebral, porque mostra a paixão, mostra o querer ficar junto mesmo com a deficiência.

Há uma deficiência e isso é fato, não há o que discuti ou muito menos fugir, só que fugimos daquilo que é importante para nós para fazer o que o outro queira. Eu tenho bem claro dentro de mim que as pessoas devem fazer o que achar conveniente, claro dentro da lei vigente, mas eu querer fazer e achar que os outros devem fazer é uma diferença grande e não vamos convencer ninguém com perguntas idiotas. Eu costumo dizer que sou um nietzschiano no sentido de sempre querer o orgânico, aquilo que podemos sentir com a potencialização da vida, o amar para mim tem que ser o outro, tem que ser o querer pegar e sentir o amor com a paixão. As idealizações são de pessoas que querem fugir, querem uma esperança a uma vida vazia e sem um proposito, um nada que precisa de um herói e um deus para realizar aquilo que deveria ser a própria pessoa que deveria fazer. A erotização é o orgânico, é o suor, é o cheiro, é o toque daquele que ama e sente até paixão em amar o outro; a pornografia é o ato do ressentido, aquele que precisa comprar o outro (no caso a prostituta), para só achar que os meios justificam os fins, como diria Maquiavel. Ou seja, para me satisfazer no meu vazio eu tenho que apenas comprar, eu apenas devo fazer algo mecânico que a sociedade pede que eu faça. Quando se fala “sim, nós fodemos! ”, usamos um termo pornográfico no sentido de prostituir mesmo, degradar aquilo que devemos valorizar, nosso corpo e não é um discurso moralista. Ser moralista não é defender uma moral, mas defender apenas uma verdade, uma regra que deveriam seguir a partir do seu próprio imperativo.

Eu acho que aí que está o problema: o moralista se transveste de moderninho para dizer ao outro como se comportar, ou seja, fala da corrupção do governo, mas se tiver oportunidade rouba uma bala na venda. Isso não tem nada a ver com desenhos animados (como vi que colocaram o pica pau como um mal caráter, coisa de gentinha que não entendem contextos), mas tem a ver com a imagem da educação e mostrar que o outro pode sim fazer o que quiser, como eu posso escolher o não fazer. O “sim, nós fodemos” não está mostrando que temos vontades e desejos, está colocando a deficiência como uma desculpa para a “venda” do amor só por causa da carência. Nisso eu não concordo com Platão, Eros não nasce da Pinia (carência), porque quando amamos não temos carência nenhuma e sim, um querer o outro não para nos completar, mas para sentir o outro. Hesíodo tem mais razão, Eros (o amor), nasce junto com o Caos e é um deus primeiro onde existe a vontade de harmonizar aquilo que está no caos, aquilo que não tem sentido. Tanto é, que o cristianismo vai colocar o deus abraâmico em um deus de amor, um deus que faz todo o universo porque ama a sua criação e harmoniza o caos. Talvez Hesíodo não está tão longe do deus abraâmico, o caos e o amor vem primeiro, mas daí que entra o barato. 


Quando nos apaixonamos (porque, sim, o amor deve ter uma certa paixão), sempre nos remete ao caos, porque tudo parece intenso com aquela pessoa. Depois tudo se harmoniza, tudo concede dentro de um acordo, mas a paixão não deve morrer, ela deve se harmonizar. Então, não podemos amar e ser amados? Temos que só dizer que “fodemos” no sentido de só fazer sexo? Quando o pessoal vai sair da sua adolescência perpetua? Resta a dúvida. 




Eros e Sua Mãe Afrodite. O Julgamento de Páris Pintura de Enrique Simonet



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