quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Por que as pessoas querem sangue?




O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.... Frase de Jean-Paul Sartre.







Por Amauri Nolasco Sanches Junior

É uma tremenda mentira que o povo quer a paz, que o povo quer o bem-estar do outro, que o caráter tem que vir com a bondade. Faça um teste: tente gravar um vídeo falando de coisas inteligentes, depois faça um vídeo falando mal de alguém (famoso ou não) para ver o que acontece. Claro, vamos ter muito mais visualizações no vídeo das “desgraças alheias” do que os vídeos de conhecimentos diversos, de verdadeiras filosofias (filosofia é muito mais do que política), ou canais do YouTube de literatura. Isso, infelizmente, não é novidade. Já na antiguidade o ser humano assistia lutas de gladiadores que arrancavam a perna, arrancavam as tripas e outras coisas mais dentro das arenas. Fora os sacrifícios humanos vistos por milhares de pessoas, o ritual da “águia de sangue” viking, que condenava o cidadão por profanar os deuses, a serem abertos pelas costelas (nas costas do condenado), serem abertos e os pulmões expostos. Se o condenado gritar ou chorar, não entrara no Vahalla (castelo de Odin, onde os guerreiros ficavam até o fim dos tempos o Ragnarok), e isso era visto pela aldeia inteirinha.

A mitologia helênica, passa a ser oficial graças aos relatos de uma guerra que dizimou uma cidade inteira e não pensem que o cristianismo deu mais “santidade” aos seres humanos, pois, a queima das bruxas eram vistas até mesmo por crianças. Essa vontade de ver a desgraça alheia é inerente ao ser humano? Será que o ser humano é levado ao “bem”, a “liberdade” e a “racionalidade”? Se fomos hábitos ao bem, não acharíamos que a verdade estaria em coisas que foram feitas para nos manipular e não dávamos “like” as desgraças alheias, como muita gente gosta de dar. Acho de tremendo mal gosto, no sentido de má educação, repassar vídeos de gente caindo e achar alguma graça nisso. Além de compartilhar crianças com doenças só para ganhar “amém”, fotos de pessoas mortas em acidentes (aéreos ou automobilístico), posta sempre coisa sangrenta. A tragédia é completa quando a mesma pessoa diz que não gosta de filme de terror “´porque traz coisa ruim”. Se o ser humano é habito a liberdade não se poderia “obrigar” o outro da nossa opinião, da sua raiva interna de sempre culpar o outro da sua própria desgraça. O exemplo clássico dos dias de hoje, é a discussão entre os “coxinhas” e os “mortadelas” ou os ateus e não ateus – que já ficou chato, porque os filósofos já tomaram partido de um dos lados, que para mim, é uma espécie de “heresia” filosófica – porque se em tese nós somos animais que gostamos de liberdade, na essência, esse tipo de discussão é uma discussão arbitrário e pobre. E se nós somos animais racionais – no sentido de entender a nossa própria realidade – então, não teríamos tantas notícias falsas ou tantas informações que não agregam nada, ficamos no limbo do verdadeiro conhecimento.

Na verdade, o ser humano é um ser trágico que gosta de uma tragédia para se sentir superior ao outro, sempre queremos ser mais do que o outro e aquela visão te dará um certo status quo dentro da sociedade aonde você está. Nietzsche tinha razão em dizer que matamos o verdadeiro “Deus” para erguer o falso “deus” fazendo a vida trágica, uma vida de fracos e mesquinhos que se sentem ressentidos. Não pensem que o cristianismo tem o maior contingente porque gostam do pensamento de Jesus, mas o culto do “deus que sangra” sempre é mais interessante. Ninguém está interessado em partilhar nada, em fazer o bem, ser altruísta ou pregar o evangelho de verdade, todo mundo gosta de ver a cruz com o “deus que sangra”.  A personificação do evangelho não “bate” com a teologia que se fez depois, quem leu verdadeiramente, sabe do que estou dizendo.

Filosoficamente, tem a ver com a ética, o caráter de cada um ter a sabedoria de não agredir o outro e respeitar o outro. Tirar o outro das ilusões da vida – ou que se acha ser uma ilusão – não é agredir no que o outro acredita, mas perguntar ao outro a fonte daquilo que ele acredita. Mesmo um ateu acredita que não existe nenhuma divindade, porque não se pode provar se existe ou não, mas podemos teorizar se aquilo é ou não a verdade. A “verdade” é um conceito transitório, ela muda conforme a nossa conveniência e aquilo que te convém, sempre é aquilo que o outro te levou a pensar. Quem realmente sabe o que é? Quem pensa por si mesmo? Eu acredito no que quero, eu sigo a filosofia que eu quero, eu penso o que quero e nada me levou a isso. Pensar não é seguir outro pensador, pensar é refletir se é coerente aquilo, se é coerente com aquilo que você mesmo pensa. Os outros são os outros, porque a única certeza que se tem, é que existimos por pensar e ver aquilo.

Posso concordar com outro filosofo, posso até incorporar seu pensamento ao meu, mas quando há um erro, temos que refutar esse erro. Mas esses erros são erros evidentes sem se contaminar com aquilo que acredito, pois, sempre corremos o risco de sermos injusto. O problema não é achar que aquele filosofo está errado, o problema que sempre o filosofo não está de acordo com nossas próprias crenças, porque o filosofo tem o dever de perguntar o “porquê”. Daí entra a frase mais conhecida, ou uma delas, que diz: “Ouse saber”, porque o ousar saber é o começo de sair da sua “caixa” e pensar fora dela. Duvidar sem ousar é o mesmo que gostar e não comer aquilo que se gosta, porque a felicidade (eudaimonia) é sempre rara porque as pessoas estão cada vez mais presas aquilo que não traz nada e não agrega nada. Muitas poucas pessoas que seguem o protestantismo leram Lutero e Calvino, muitos poucos que seguem o espiritismo leram Kardec, muitos nem sabem da história da igreja católica para ousar saber, para ousar ter uma bagagem própria sem depender do outro. No campo politico, quem é a favor do comunismo nem sempre leram Marx, quem segue o campo liberal muito poucos leram Mill ou Locke, quem é a favor da anarquia não leu Bakunin ou Proudhon, porque gostam de ser pequenos, gostam de ser escravizados e é um fenômeno típico do primata, seguir o mais forte e achar que ele é o salvador. Só que somos racionais.

Esse fenômeno é um fenômeno típico de pessoas cômodas que não querem pensar, querem que os outros pensem por elas. É muito mais fácil pedir para o santo, é muito mais fácil achar que o sistema vai lhe salvar, que um político vai trazer bonança, pois, não vai. Acho que Kant tem razão quando escreveu que as pessoas gostam de ser “pequenas”, não porque são ignorantes, porque é mais cômodo ser assim. Não me admira que ainda tem gente a favor do regime militar, porque é mais cômodo assim, é mais cômodo achar que o “papai general” vai limpar a bagunça que nós mesmos fizemos. De quem é a culpa disso tudo? De quem é a culpa do descaso, do governo que votamos ou de nós que não cobramos dos governantes? Política não é chamar o outro de “coxinha” ou “mortadela”, política tem a ver do politikon que é o espirito cidadão de se preocupar com a sociedade que é a polis. Qual a diferença de um político se vestir de gari e outro se vestir de operário da Petrobrás? Nenhuma. Fazem isso porque nós, ainda, damos credito.

Os pastores ou outros sacerdotes, enganam porque sempre querem barganhar com o divino, sempre se quer alguma coisa material. Mas ninguém leu verdadeiramente o evangelho para ler as palavras de Jesus – que prefiro a imagem dele sorrindo e andando do que o crucificado – que dizia para entregar ao divino primeiro daí todas as coisas lhe serão dadas. Mas entregar-se ao divino não pode ser confundido com ir a essas igrejas, mas entregar-se verdadeiramente aquilo que é sagrado, porque hoje se tem a crença fast-food, ou seja, fico um tempo na igreja e está bom, meus pecados serão perdoados. Ainda, entramos em qualquer igreja por pura modinha, porque o outro foi, o outro sempre estará certo.


Termino com uma frase muito reflexiva de Sartre no qual, gosto bastante: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós” 






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