Por Amauri Nolasco
Sanches Junior
Algumas coisas são necessárias para entender o meu texto que
vou escrever agora. Para começar temos que entender que mito não é sinônimo de
mentira, porque um mito não é uma mentira ao ponto de enganar alguém. Se papas,
se governantes e reis tiveram a capacidade de enganar usando os mais variados
mitos, isso é uma questão muito mais ética do que moral, porque tem muito a ver
com caráter muito mais do que costumes. E nem acho que alguns costumes sejam
errados, só acho que são mal interpretados dentro do caráter (no sentido de
intenção), daquele que propaga tal moral. Mas segundo Harari no seu aclamado
livro antropológico, Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, somos animais
que criamos ficções e com essas ficções nós nos adaptamos melhor ao meio. Portanto,
quando dissemos que aquilo é verdade, cuidado, aquilo é só uma ficção que
nossos ancestrais inventaram para manter a unidade do grupo. Mas, espero que os
ateus inteligentinhos, não usem o que eu digo como uma desculpa do seu trauma
freudiano de descobrir que Papai Noel não existe e que, eles não ganham a
bicicleta esperada.
Podemos dizer que toda a estrutura moral que construirmos ao
longo de milênios, na verdade, não existe. Até no mesmo livro, Harari argumenta
que todo o luxo que possibilitou a civilização nascer após a revolução agrícola,
na verdade, foi uma armadilha e possibilitou a várias doenças e não foi
vantajosa para a nossa evolução biológica. Vamos aos fatos: fomos feitos para
subirmos em arvores, colher figos silvestres e caçar animais, somos animais
onívoros (tenho que decepcionar os verganos), e numa hora para outra, paramos
de dar leite materno aos bebês (possibilitando o enfraquecimento do sistema
imunológico). Outras comunidades não quiseram ser agrícolas e começaram a
brigar uma as outras, tivemos mais filhos (quando digo nós, digo querendo dizer
como espécie homo sapiens), nós com
mais bocas para alimentar tivermos que trabalhar mais. Tudo isso, a grosso
modo, não passa de uma imensa ficção que possibilitou a convencer vários seres
humanos a acreditar que o luxo, que perdura até na pós-modernidade, daria ao
ser humano mais possibilidade de evoluir e ser feliz. Pensando assim, chegamos
até a achar que o filósofo Rousseau não estava tão totalmente, errado. O erro
dele é outro.
O erro de Rousseau não era que a propriedade privada não
seria um roubo, que foi de algum modo, mas que existiu um “bom selvagem” e que
no meio da natureza éramos seres imaculados que não matávamos, não largamos os
velhos e os deficientes no meio do caminho, coisas do gênero. Rousseau, de
algum modo, foi enganado sobre isso graças ao mito da moral que dominava na
época. Pensamos um pouco, achávamos que os índios americanos (de toda América),
eram felizes e pacíficos e que não tinham maldade nenhuma, viviam
harmoniosamente. Hoje, sabemos, que os índios também faziam guerras, que quem
vendiam os negros para os escravagistas brancos eram os próprios negros, que as
brigas (que chamamos de guerras), foi uma invenção ou um efeito colateral,
digamos, da revolução agrícola. Será que as teorias anarquistas e humanistas,
diante de fatos de estudos sérios, então totalmente erradas? Não estão. Na
verdade, fomos enganados com a promessa que ficaríamos mais felizes, mas que de
fato, nós nos acomodamos e nos acovardamos diante de coisas que tiraríamos de
letra quando éramos colhedores-caçadores. Não evoluímos, nós criamos mitos para
pensarmos que estamos evoluindo e isso, já sabiam os orientais.
Os orientais – incluindo os budistas e os hinduístas –
sempre ensinaram que tudo era mera ilusão e que devemos superar o nosso EGO. A
grosso modo é um convite a repesarmos se, depois de milênios de guerras e
fomes, mortes e estupros, a dominação da mulher e de povos, realmente, isso
iria trazer alguma felicidade ao ser humano. Aliás, não era tão somente a
cultura oriental, as culturas antigas eram cheias dessas resoluções e isso
abrange até a cultura hebraica. Será que já tinham percebido o erro de ter
sociedade agrícolas? Talvez, isso já
tenha sido percebido, mas já era uma coisa enraizada por muitas gerações e até
hoje há uma ilusão que quando trabalhamos demais, podemos acumular bens para a
nossa felicidade. Será que tudo isso não é uma ilusão? Exatamente o que diz os
orientais. Para eles, o dinheiro tem um outro significado que nada tem a ver
com a felicidade, por isso, talvez, eles tenham mais desenvolvimento com a
tecnologias e resolvem mais rápido os problemas. Eles não têm vínculo nenhum
com a imagem humana idealizada, porque sabem da capacidade humana de inventar
algo para ajudar o outro. Os melhores exoesqueletos vêm dos israelitas, os
melhores robôs são japoneses, os melhores índices de educação são orientais,
porque não vivem da ilusão que somos seres superiores. Como diz a própria
Bíblia: do pó viemos, do pó voltamos, somos somente pó de estrelas a muito
tempo, mortas. O ouro é uma substancia em abundancia no universo, o cobre é um minério,
a celulose é uma camada fina de madeira de alguma arvore por aí: então, por que
se matar por míseros minérios e madeira processada? O pó que fala a Bíblia é a
significância humana perto de um universo infinito, dentro de muitas outras
galáxias e que, a ilusão que somos a imagem e semelhança do Eterno.
Mesmo eu lendo artigos e livros científicos não acho o
ateísmo atraente, concordo com o filósofo Pondé que o ateísmo é um modo mais
fácil de conceber uma realidade, então, eu mistifico os achados científicos. O
Eterno pode ser invocado não para fazer pedidos ou atender suplicas, não temos um
código do consumidor divino e ele não fez universo somente para nós. Portanto,
ele nada deve a ninguém e dentro disso, deve ser invocado em momentos de
encontro consigo mesmo. A Bíblia hebraica, o Torá que chamamos de Velho
Testamento, fala que o Eterno não tem nome e não podemos chamar e nem falar seu
nome em vão, porque seu nome é sagrado e sua discrição é muito além da nossa
linguagem. Agora eu entendo – lendo um livro de um ateu não praticante, mas
ainda assim, ateu – que o Torá tem uma mística muito além do que dizem e não é à
toa que os cristãos o puseram nos evangelhos. Está muito além da moral que
enraizaram em torno dos livros sagrados, está muito além daquilo que falam o
que Jesus quis passar ou os profetas, pois, Jesus e os profetas eram os
escolhidos do Eterno porque eram verdadeiros. O Eterno gosta de pessoas
verdadeiras que discutem com ele, que não o bajulem, só ver o que o rei Davi
fez diante dos olhos Dele. Jesus negou sua missão (Pai, afasta de mim esse
cálice), Moisés discutiu com Ele, profetas inúmeros fizerem isso porque tinham
uma ligação direta com ele. Era pesada
essa ligação com ele.
Nessa altura do campeonato fica a pergunta: o que tem tudo
isso a ver com a moral? Tudo. Quando nós criamos a agricultura, criamos regras
para aquilo não ser usurpado e não acontecer mortes que, segundo pesquisas
arqueológicas, acontecia aos milhares. Criamos regras para conviver com
milhares de cercados numa mesma comunidade, e essa, construíram cidades como
centros de comércio. Construirmos regras éticas para a convivência mutua, e
junto, leis que possibilitaram que essas regras éticas não fossem quebradas.
Cada cidade-estado, tinha sua regra ética e assim, uma cidade e outra podia
entrar em conflito. Ora, as guerras foram causadas muito mais por causa desse
luxo todo, do que outra coisa. Antes do império romano não havia moral, porque
moral vem do termo latim mos e o
significado é “costume” que é uma tradução (mal traduzida, aliás), do termo
grego ethos que não tem um
significado certo, mas alguns pesquisadores traduzem como “caráter”. Faz todo o
sentido, pois, o grego clássico estava muito mais preocupado com o caráter, do
que o costume de uma cidade inteira. Mas você deve estar perguntando: os
espartanos tinham um código moral e não ético, como assim? Respondo: os
espartanos não tinham código nenhum moral, porque cada cidadão era levado a
acreditar que deveria morrer pelo ESTADO e então, deveria obedecer às regras
éticas. Mas, tudo isso não passa de um mito, uma invenção para fazer acreditar
que tudo isso era uma realidade. Os hoplitas – povos escravizados pelos
espartanos – que o digam.
Para entender a gloria espartana de morrer pelo ESTADO e as
conquistas dos imperadores – de Alexandre até Napoleão III – são meras ilusões,
temos que entender que tipo de ilusão que até mesmo, Jesus estava de acordo
(contrariando muita seita cristã de hoje que prega a teologia da prosperidade).
Na realidade, quem colocou condutas morais dentro do cristianismo foram os
romanos, pois, Jesus nunca se preocupou muito com nossa conduta dentro dos
costumes. Se pensarmos direito, nunca li nenhum versículo de Jesus que falasse
de condutas morais (costumes) e sim, conduta ética (caráter) que tem a ver com
o melhoramento de si para temos uma mais compreensão da verdadeira realidade. Amar
a Deus sobre todas as coisas, ao próximo como a si mesmo, não é uma conduta
moral e sim, um ato ético de melhorar nosso caráter para desenvolver nosso lado
critico de questionar nossa vida. O por que fazemos o que fazemos? O por que
existe nossa conduta moral? A questão é que nem Jesus, nem Buda e nem nenhum
ser ligado ao Eterno, ensinou condutas morais, essas mesmas, foram implantadas
como condutas do poder. O ESTADO como detector de toda a sociedade (que a nossa
brasileira, morre de tesão), usa a moral que o constrói para infestar aquilo
que não cabe como apoio de seus interesses. O problema, num modo bem
especifico, não é o contrato social, mas que esse contrato também é um mito.
Tudo não passa de um mito. Mas nossa ética como caráter, é a essência daquilo
que somos e aquilo que somos é bem melhor do que aquilo que parecemos ser.
Na sua essência, a moral já era como base, uma conduta hipócrita
antes quando os romanos o a construíram. Na verdade, deixamos de ser éticos por
interesses difusos de parecemos o que não interessa ao poder sermos, ou seja,
quando inventamos a agricultura, inventamos o Poder político. A quem interessa
quantos filhos temos, ao Eterno ou ao Poder? Ao Poder. Nossa conduta diante das
nossas vontades – que algumas religiões puseram como pecado – a quem interessa,
ao Eterno ou ao Poder? Ao Poder. Então vejamos: quem distorceu o verdadeiro
significado de ethos, o Eterno ou o
Poder? O Poder. Porque outro significado para ethos é “caminho reto”, ou seja, qual filosofia tem como base o
“caminho reto”? O caráter não é um “caminho reto” construído em cima dos
verdadeiros valores que seguimos? De Sócrates até Buda (incluindo Jesus), a
base de seus ensinamentos sempre foi muito mais ética do que morais. Os
ensinamentos de Sócrates são condutas éticas construídas dentro daquilo que
seguia, porque pouco importava as regras de Atenas, mas seguir elas, foi seguir
um princípio dele e provar que elas são injustas e ilusórias. Buda no mesmo
modo, tanto fazia as leis morais, mas sim, leis éticas que tem a ver com a
conduta e um “caminho reto” a ser seguido. Jesus não era diferente, quando
disse: “dá a Cesar o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus”, quis dizer que
tudo é efêmero, mas a nossa essência é única em todo o universo. Outro
ensinamento dele era: “Estreito é o caminho, largo é o caminho da perdição”, ou
seja, para seguirmos aquilo que realmente somos num “caminho reto”, muito
difícil é esse caminho. Mas para seguir o que a maioria segue é muito mais
fácil.
Vendo um biólogo do porte de um Richard Dawkins dizer que
uma mãe que tem um filho com síndrome de down é imoral e sacerdotes histéricos
vendo imoralidade num selinho num misero desenho, vão influenciar crianças (que
sabemos que a homossexualidade é de nascimento). A moral é a mesma e é muito
além do que possamos achar que é verdade. A crença da nossa própria verdade, é
a crença iluminista da romântica concepção que somos alguma coisa e temos algo.
Não temos nada. Não somos o que pensamos ser, o que dizemos ser, o que achamos
que somos. A moral impõe, a ética entende. Quem disse que uma criança com
síndrome de down sofre? Quantas milhares de crianças com síndrome de down são
professoras, são repórter, são modelos? Se um beijo influenciasse crianças, o
desenho do Pernalonga que dá longos beijos ao Hortelino, tinham influenciado
milhões. Respeitar as escolhas das pessoas e suas opiniões, é uma coisa, mas,
achar no direito de agredir para defender a sua crença, é outra bem diferente. Por
isso, defendo um mundo ético e não, moral. Desculpe!
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