terça-feira, 25 de julho de 2017

Analise das muitas frases ouvidas por cadeirantes



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Por Amauri Nolasco Sanches Junior

O que seria a linguagem para o ser humano? Dês de tempos imemoriais o ser humano se comunica com a linguagem e com ele expressa os seus diversos conceitos, valores que recebeu durante a sua infância através da educação. Então, quando falamos de frases, muitas vezes, falamos de conceitos de linguagem do que fazemos e o que somos. Quando, nós os cadeirantes, ouvimos muitas vezes frases que remontam o reflexo que o nosso povo tem da imagem estereotipada da deficiência que de algum modo, ainda é vista como uma imagem de doentes ou fracos.

1. “Tão bonita e na cadeira de rodas”

Vamos analisar a frase de maneira bem apurada, ou seja, vamos analisar a frase por cada elemento linguístico e gramatical. A pergunta é óbvia: quem é “tão bonita”? Isso já faz referência a um sujeito oculto que alguém designou a alguém como demonstração de qualidade, ou seja, quando começamos com “tão” estamos colocando um adverbio de intensidade. Porque “tão” é para aumentar o adjetivo “bonita” como se fosse uma beleza fenomenal, muito intensa. Esse “tão bonita” é uma questão de exagero para explicar ou para “dar” uma “desculpa” que por estar em tal condição não poderia ser “tão bonita”. O mesmo, isso eu já ouvi, será olhar uma criança e dizer “tão bonita e está na favela”, “tão bonita e está fazendo isso”, “tão bonita e está chorando”, como se existisse um padrão de ser bonita e ter um comportamento de acordo com a imagem que temos das pessoas bonitas.

Mas por outro lado, o que seria ser “bonita”? Será que é uma questão estética subjetiva? Eu acho que a beleza é algo que diz respeito ao que acreditamos ser belo, não há nenhum padrão de ser bonito ou bonita, porque posso achar algo bonito, a outra pessoa pode não achar. Depois vem “e na cadeira de rodas”, como pessoas com “cadeira de rodas” não fossem ou não devessem ser bonitas. Mas a cadeira de rodas é um substantivo concreto, é um instrumento de locomoção, um instrumento para transporte de pessoas com um tipo de mobilidade reduzida. A cadeira de rodas não pode ser “medida” nem de beleza e muito menos, de caráter.
 
2. “Como é na hora do sexo? ”

Diferente do que alguns podem julgar, eu não interpreto essa frase como uma curiosidade se os órgãos sexuais funcionam. Pode até ser que com a padronização da deficiência – graças as patéticas novelas que colocaram todas as deficiências em uma e todo cadeirante se torna paraplégico – que pensem que não temos desejos e nem uma vida sexual, porem acho, que isso é uma visão infantilizada da deficiência. Por outro lado, devemos nos atentar na estruturação da frase que torna mais clara quando analisamos com mais afinco.

Começa já com um “como é” indicando uma curiosidade, como se fosse “como é dirigir? “ou “como é morar na catinga?”. Podemos perceber que o “como é” é uma estrutura que já denomina algo além da curiosidade e demonstra um certo julgamento estereotipado. Ou seja, essa mesma frase tem a ver com a primeiro, porque “tão bonita e na cadeira de rodas” e depois vem a pergunta “como é na hora do sexo? ” como se fosse uma visão só. Claro, que além disso, demonstra uma certa falta de sensibilidade em invadir uma coisa intima que vai de pessoa para pessoa. E depois, não estamos falando de “copulas” animais, estamos falando de “relações sexuais” de seres humanos.

3. “Você precisa de ajuda para ir no banheiro? ”

Daí vamos entrar em um conceito que é muito além do linguístico, porque veja, cada pergunta completa a outra. Assim como é uma forma de invadir o íntimo das pessoas com deficiência na “hora do sexo”, também é uma invasão perguntar a um cadeirante como ele faz para ir ao banheiro. Porém, há sim pessoas que precisam ajuda e a pergunta acima não é de todo ruim.

4. “Não sabia que você conseguia fazer tanta coisa assim!”

Todo mundo sabe que o “não sabia” é inerente do ser humano, porque ninguém sabe tudo o tempo todo. Existem sim cadeirantes chatos que não gostam, mas “não saber” não quer dizer que “não pode fazer”. Apenas a pessoa não sabia e não saber não é discriminação. Mas a frase muda de foco se a pessoa convive com o cadeirante, porque  vai além do “não sabia” para “não quero saber”.

5. “Não cansa ficar sentado o dia todo na mesma posição?”

Por que não poderia cansar? O que essa pergunta demonstra é o puro despreparo de pessoas que mais uma vez, padronizam a deficiência. Existem deficiência que podem mudar de posição, podem ficar em pé segurando, e até os paraplégicos, levantam a “bunda’ para não acumular escaras nela.

6. “Que bom que você tá passeando, faz bem tomar um arzinho!”

Nem todos os cadeirantes estão “passeando” ou tomando um “arzinho” e sim tendo uma vida como qualquer um teria. O que acontece é um pouco culpa do próprio cadeirante, faz uma grande coisa uma coisa que seria normal, como fazer fisioterapia, como trabalhar ou como fazer milhões de coisas.

7. “Que bom que mesmo estando na cadeira você é feliz!”

Por que a cadeira de rodas poderia ser um divisor entre ser ou não feliz? Ser feliz é muito diferente, do que ter felicidade. O “ser” é uma natureza nata e “ter” é uma natureza sintética do modo artificial, porque “ter” a felicidade num outro momento, pode não “ter”. Mas a cadeira de rodas não faz parte da nossa natureza, mas não faz.

8. “Seu namorado (homem ou mulher sem deficiência) é um anjo na sua vida, né? ”


Não. Os namorados e namoradas de cadeirantes que não tem deficiência são pessoas que não podem ser classificados de “anjos” ou “enfermeiros” ou coisa parecida. Nem mesmo cadeirantes ou outra deficiência, não pode ser um “demonstrador” de caráter, isso é muito perigoso. Porque fica parecendo algo extraordinário ser uma pessoa com deficiência ou namorar uma.

9. “Tenha fé que Deus vai te curar”.

Eu ter ou não fé em alguma religião, não me faz uma pessoa a procura de uma “cura” para a minha deficiência. Depois, nenhuma deficiência é uma doença para ser curada e sim, temos que aceitar o fato de que somos pessoas com deficiência. Ter fé é uma aposta, se existir Deus você ganha vida eterna, se não, você nunca vai saber.
10. “Se você for na minha igreja será curada”

Só tenho uma resposta a essa afirmação: não! Eu não vou a essas igrejas porque não quero coisas e sim, quero apenas acreditar que existe uma força maior que construiu e fez o universo e não deve nenhuma explicação ao ser humano.

11. “A fulana, amiga minha cadeirante, é super feliz. Você deveria conhecê-la”.

É? Legal. Mas eu não gostaria de conhecer essa pessoa só porque ela é cadeirante e nós não somos uma espécie de clube. Afinal, amizade vai além do que uma cadeira de rodas e sinceramente, tenho muitos amigos não cadeirantes.

12. “Você é um exemplo de superação”.

Essa frase é clássica e demonstra como a mídia constrói uma cultura estética muito grande. Estou “superando” o que mesmo? Não tenho que superar porque não tenho a menor obrigação de demonstrar nada a ninguém, como qualquer pessoa. Mas tenho a plena consciência que alguns cadeirantes usam sim isso para ganhar dinheiro, para entrar na mídia, para ficar conhecidos e por aí vai.
13. “Você é muito guerreiro”.

Eu sou um libertário e somos contra qualquer tipo de violência. Que guerra nós travamos?

14. “Você ainda vai curtir muito a vida”


Ué, eu estou curtindo muito a vida escutando música, escrevendo e ainda mais, vivendo. O que a minha cadeira de rodas não deixa eu viver?


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